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Artigo: Mais atenção às doenças genéticas raras

Por:  Magda Carneiro-Sampaio

É consenso entre os médicos e gestores da saúde que, quanto mais cedo uma doença crônica é diagnosticada, maiores são as chances de o paciente ter o problema controlado, como acontece, por exemplo, com a Aids e com o câncer. Para algumas enfermidades, a detecção precoce pode mesmo ser a chave para a cura ou prevenção de sequelas graves.

Este conceito aplica-se perfeitamente às doenças classificadas como raras. Existem cerca de seis mil tipos delas e, no Brasil, conforme metodologia adotada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e pelo Ministério da Saúde, estima-se que de oito milhões a dez milhões de pessoas convivam com essas doenças no Brasil, mesmo sem saber.

Desta forma, é possível afirmar que as pessoas com tais problemas são numerosas no país, o que torna o conceito de doença rara no mínimo relativo, e requerem maior atenção, no sentido de formularem-se políticas de saúde pública que sejam efetivas tanto sob o ponto de vista da prevenção quanto do tratamento, quando disponível.

Algumas doenças nem são tão raras, a exemplo de hemofilias, distrofias musculares, erros inatos do metabolismo, fibrose cística do pâncreas e imunodeficiências primárias, entre outras, e 80% delas são originadas pela alteração de um único gene (chamadas, por isso de monogênicas).

Daí a importância do teste genético como forma de garantir a detecção precoce, além da existência serviços com infraestrutura adequada e o acesso garantido a medicamentos e tratamentos seguros, visando à melhoria da qualidade de vida dos pacientes.

Sem dúvida, o Programa Nacional de Triagem Neonatal, com os chamados “teste do pezinho”, “teste da orelhinha” e “teste da linguinha”, oferecido pela rede pública, tem contribuído de forma consistente para a detecção precoce das doenças raras. Mas é preciso ir além.

O avanço dos processos de genética molecular tem permitido a identificação de mutações gênicas que causam doenças raras. Desta forma, o aconselhamento genético, fundamental para a prevenção do aparecimento de novos casos, pode ser feito de forma mais segura.

Em 2014 uma portaria do Ministério da Saúde autorizou o pagamento, pelo SUS (Sistema Único de Saúde), dos testes genéticos para diagnóstico de doenças raras.

O Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, referência nacional em pediatria de alta complexidade, na capital paulista, se preparou e está absolutamente apto a realizar, junto com o Laboratório Central do Hospital das Clínicas, vários exames genéticos para os pacientes da rede pública. Mas o processo de credenciamento tem se mostrado particularmente moroso, o que prejudica o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento das crianças com doenças genéticas raras.

Recentemente iniciou-se também a articulação da Rede DORA (DOenças RAras), de hospitais universitários de São Paulo, que, sob coordenação da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, começa a planejar a assistência integrada aos portadores de doenças raras no Estado de São Paulo, e ajudar na assistência no Brasil como um todo.

São e serão sempre bem-vindas novas proposituras de políticas públicas para propiciar diagnóstico e assistência adequada aos doentes, aconselhamento às famílias para evitar novos casos, registro dos casos e famílias afetadas, assim como apoio à pesquisa para esclarecer a origem das doenças visando ao desenvolvimento de formas eficazes de tratamento.

Magda Carneiro-Sampaio, professora titular de Pediatria Clínica da Faculdade de Medicina da USP, é presidente do Conselho Diretor do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP