Pular para o conteúdo

Fake news podem impactar nas campanhas de imunização

A má informação, a desinformação e a informação falsificada assolam o mundo contemporâneo, dominado pelas mídias digitais, pelas redes sociais e pela circulação de notícias em escala global e em tempo real. Os territórios da ciência e da medicina, supostamente protegidos pelo apuro na realização das pesquisas e pelo rigor em sua difusão, não está imune. As fake news invadiram o noticiário.

Exemplos do papel prejudicial das fake news já prejudicaram iniciativas sérias, como o Programa de Vacinação do Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. “Hoje, o calendário básico para as crianças é constituído por 14 vacinas. E há fake news do tipo ‘quem toma vacina contra gripe vai ter gripe’, ou ‘a vacina contra sarampo pode dar reação adversa’. Isso não é real: as vacinas são extremamente seguras e com uma excelente eficácia”, conta Helena Sato, diretora de imunização da pasta.

Um caso concreto, resultante não do achismo leigo que circula na internet, mas de notícia mal apurada pela mídia, resultou em queda expressiva na vacinação contra o vírus do papiloma humano (HPV), de enorme importância na prevenção do câncer de colo de útero. A vacina é ministrada em duas doses e, no período 2014–2018, na faixa etária de 9 a 14 anos, a cobertura vacinal caiu de 60,8% na primeira dose para 44,2% na segunda. Isso se deveu, em grande parte, à notícia de que três meninas do município de Bertioga, no litoral paulista, tinham tomado a vacina na escola e haviam sido acometidas de paralisia nas pernas.

“Fizemos várias avaliações clínicas dessas meninas e constatamos que elas não tinham nada. O diagnóstico psicológico foi de ‘reação de ansiedade pós-vacina’. Ou seja, elas ficaram tão estressadas pelo medo da vacina que isso causou o episódio temporário de paralisia. O problema foi que a notícia se disseminou e foi objeto de reportagens em veículos de grande influência. E isso resultou em uma queda importante na cobertura vacinal, que não foi inteiramente revertida até agora”, informou Sato.

O jornalista Francisco Rolfsen Belda, professor do Departamento de Comunicação Social e vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), reflete sobre as relações entre as práticas de divulgação científica, os fenômenos de desinformação nos meios digitais e a busca por critérios capazes de indicar a credibilidade de conteúdos jornalísticos distribuídos na internet.

“Com a profusão de notícias na internet, sobretudo nas chamadas mídias sociais, é cada vez mais difícil distinguir a informação de qualidade do ruído. Quando se trata de informação científica, essa distinção é ainda mais complicada. Muitas vezes, os leitores acabam tomando como verdade a posição de fontes pouco confiáveis ou formando sua própria opinião a partir de relatos mal apurados ou de informações de qualidade duvidosa”, afirma Belda.

“A ciência, que por construção deveria ser imune à pós-verdade e à produção de notícias falsas, é um território do conhecimento humano que também está sendo invadido por opiniões e crenças que se sobrepõem ao rigor científico”, avalia Peter Schulz, professor da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele fará a apresentação “Quando a ciência dá lugar à pseudociência e vice-versa: como evitar prejuízos à sociedade”.