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No Dia de Conscientização do Autismo, colaboradoras do Instituto Butantan relembram desafios e vitórias com seus filhos

O autismo é um transtorno marcado pela inabilidade de interagir socialmente, pela dificuldade de domínio da linguagem para se comunicar e pelo padrão de comportamento repetitivo. O nível de comprometimento, no entanto, é muito variável (podendo ir desde quadros leves até formas mais complicadas). Estudos mostram que as causas do autismo são múltiplas e podem ter fatores genéticos e biológicos como desencadeadores.

O jovem Lucas Foronda Aleixo, 18, está no 1º ano do Ensino Médio, embora seja extremamente reservado no primeiro contato com as pessoas, ele consegue ter um nível de interação conforme cria mais intimidade, adora viajar com a mãe e é um apreciador de artes e jogos de tabuleiro. Ele é filho da artista visual Larissa Foronda, 46, que coordena o Museu Histórico do Butantan, e foi diagnosticado aos 14 anos com a síndrome de Asperger (um dos transtornos do espectro do autismo). Larissa conta que, mesmo sendo filha de médicos (a mãe pediatra e o pai é cardiologista pediátrico), teve que fazer uma verdadeira peregrinação em busca do diagnóstico correto para o filho. Desde que Lucas tinha apenas quatro anos, ela já havia percebido que havia algo de diferente com o filho, que tinha, por exemplo, dificuldade para se expressar e um ritmo mais lento no aprendizado. Foram anos passando por consultórios médicos, fazendo exames e avaliações psicológicas.

“Houve uma época, em que cansei um pouco e fiquei aceitando o Lucas do jeito que ele era, mas à medida que ele foi crescendo, eu cheguei à conclusão de que precisava ajuda-lo. Não era questão de colocar um rótulo, era questão de poder ajudar mesmo”, afirmou Larissa.

Não ter um diagnóstico preciso acaba sendo uma barreira para buscar o tratamento preciso, mas também gera incompreensão ao redor de quem tem autismo, mesmo entre as pessoas mais próximas. Larissa conta que, muitas vezes, perdeu a paciência com o filho e somente após o diagnóstico pôde rever suas cobranças. “Parecia que tinha uma cortina que não me permitia ver meu filho. Eu sempre li muito sobre deficiências intelectuais e físicas por conta dos meus alunos, mas, após o diagnóstico, eu realmente mergulhei no tema autismo. Há uma incompreensão porque a pessoa está fechada no mundo dela. Pedi desculpas ao Lucas e hoje em dia eu tenho ciência de que eu não seria a metade da pessoa que eu sou se eu não o tivesse em minha vida”, afirma Larissa. Hoje Lucas faz acompanhamento psicológico, passa por consultas regulares, recebe medicamentos para o sono e para evitar quadros de depressão.

A auxiliar administrativa Cíntia Maria Cassiano, 41, faz parte do setor financeiro e trabalha na loja do Butantan, que funciona hoje no Paiol. O filho mais velho dela, Igor Henrique Cassiano Barreto, 17, é um menino bastante introspectivo, mas que hoje consegue manter uma relação boa com os colegas de escola, é bastante envolvido com os estudos, cursa o 3º ano do Ensino Médio e tem como passatempo assistir desenhos e filmes.

Assim, como Larissa, Cíntia também demorou para ter o diagnóstico. Inicialmente, o parecer dos especialistas indicou um Distúrbio do Processamento Auditivo Central, o que passou a ser o alvo de tratamento. Desde o Ensino Infantil, o filho tinha dificuldades de aprendizado, não conseguia interagir e desenvolver diálogos, era muito preso às rotinas e passava por crises de choro no colégio, o que levava a mãe a ter que ir buscá-lo com frequência no horário das aulas, por exemplo. O diagnóstico correto só chegou quando ele tinha cerca de 11 anos. “Quando ela me falou [o diagnóstico], eu senti até um pouco de alívio porque enfim encontraram o que realmente ele tinha. Deram um caminho, uma direção para podermos seguir”, afirmou a mãe.

O desejo de entender melhor o filho levou Cíntia a cursar a faculdade de pedagogia e posteriormente fazer uma pós-graduação em Neurociência da Aprendizagem. Hoje Igor passa por acompanhamento psicológico e psiquiátrico e é medicado contra ansiedade e outros transtornos.

“Eu aprendi que não há inocência como a do meu filho, ele tem uma pureza de alma. Não há maldade, não há malícia. A gente vê o mundo tão cheio de maldade, de coisas ruins e pessoas com autismo não têm isso, elas são extremamente amorosas. Meu filho é extremamente bondoso”, disse Cíntia.

O Autista no trabalho e na escola 

Apesar das mães terem tido que trocar de escola em busca do melhor acolhimento, Lucas e Igor são dois exemplos do quanto o autismo não é, necessariamente, uma barreira para a educação, o que sugere também um caminho livre a ser trilhado para o mercado de trabalho.

Na opinião da mãe de Lucas, Larissa Foronda, com tantas dificuldades para o diagnóstico, não deve ser incomum a presença de pessoas no nosso dia a dia, muitas vezes na escola e no trabalho, que sequer saibam que possuem o transtorno. “Independentemente de ter autismo ou não, eu acho que as pessoas têm de conseguir olhar para as outras com cuidado e respeito. Você sempre deve tratar os outros como gostaria de ser tratado”, afirmou Larissa. Para ela, quanto mais o tema for discutido, menor será o preconceito e menos as pessoas vão se afastar do autista.

Apesar das superações e vitórias, Cíntia Cassiano, mãe de Igor, conta que os desafios são constantes. Na semana passada, por exemplo, ela teve que ligar na escola onde o filho estuda para solicitar o apoio dos professores na redistribuição dos grupos formados para um trabalho. O filho dela e uma colega haviam ficado de fora.

Na opinião dela, o preconceito está sempre ligado à falta de informação. “Eu diria que as pessoas precisam se informar e não julgar porque nós, seres humanos, não somos iguais, se pararmos para pensar. Cada um tem as suas próprias características. O autismo é como se fosse mais uma característica”, disse Cíntia.

Grupos de Apoio 

Tanto Larissa quanto Cíntia fazem parte de grupos virtuais de pais com filhos autistas, onde trocam informações e novidades. Ambas relatam que os grupos são muito importantes para dar suporte a quem passa por esta experiência. Agora Larissa estuda a possibilidade de criar um grupo em São Paulo, que possa se reunir pessoalmente de tempos em tempos para a troca de experiências.

“Eu recomendo muito a participação nestes grupos, pois isso me ajudou muito. Muitos pais entram em uma espécie de luto quando recebem o diagnóstico, mas o fato é que nossos filhos nunca deixam de ser nossos e neste caso, eles só têm uma característica diferente. Nada como a informação para tirar qualquer peso que possa haver sobre isso”, disse Cíntia.