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Projeto desenvolve teste mais preciso para diagnosticar zika

Por meio de projeto apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), um novo exame sorológico que detecta a presença de anticorpos contra o vírus zika em amostras de sangue foi aprovado para comercialização.

O teste avança em relação aos disponíveis no mercado pela capacidade de identificar se o indivíduo foi infectado mesmo após o término da fase aguda da doença. Além disso, a iniciativa apresenta alta precisão mesmo em pessoas que já tiveram dengue ou febre amarela.

Método

Testado em mais de 3 mil mulheres de diversos estados do Brasil, o método foi desenvolvido pela empresa AdvaGen Biotech, em colaboração com pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Butantan, vinculado à Secretaria da Saúdo do Estado. O projeto contou com poio por meio do Programa PAPPE/PIPE Subvenção.

A empresa detentora da patente tem sede em Itu, no interior do Estado, e capacidade para produzir 40 mil testes por dia. Com a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso comercial, a companhia está fazendo a validação do kit de testes junto aos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen), em Brasília, para a participação junto ao Projeto Cegonha – estratégia do Sistema Único de Saúde (SUS) para o acompanhamento das gestantes em todo o País.

Além disso, o kit também é apresentado para quatro laboratórios privados do Brasil e está em fase de validação na Argentina e na Colômbia. A empresa tem o objetivo de que o teste de baixo custo entre no rol de exames de pré-natal do Ministério da Saúde e das secretarias de Saúde.

Exame

Além de determinar quais pessoas já foram expostas ao vírus, o intuito é identificar casos de mulheres que foram infectadas pelo patógeno durante a gravidez e cujos bebês nasceram sem microcefalia. Essas crianças podem vir a ter complicações de desenvolvimento, como déficit cognitivo e dificuldades motoras.

“Nosso foco foi atender gestantes, principalmente. O teste consegue identificar quem já está imunizado [foi infectado pelo zika], até mesmo no caso de pessoas que também tiveram dengue ou febre amarela. Com o novo teste, as grávidas que nunca foram infectadas passam a ter mais cuidados, como usar repelente e evitar áreas de risco”, explica Edison Luiz Durigon, pesquisador do ICB e um dos responsáveis pelo desenvolvimento do novo teste, à Agência Fapesp.

“Já os casos de detecção do vírus durante a gravidez devem passar a ser acompanhados por mais tempo, mesmo que o bebê nasça sem microcefalia”, acrescenta. Para o cientista, o teste pode ser estratégico para a formulação de políticas públicas. Isso porque bebês expostos ao vírus durante a gestação podem nascer com pequenas lesões no cérebro inicialmente não detectáveis, mas que, no futuro, podem desencadear déficit cognitivo e outros tipos de problemas.

“A microcefalia é só a ponta do iceberg. A doença é assintomática muitas vezes e, até hoje, não sabemos a dimensão da epidemia por carência de dados. Acreditamos que cerca de 90% das gestantes que tiveram zika não relataram a doença por não terem notado a infecção. Portanto, muitas das crianças que nasceram sem microcefalia podem vir a apresentar disfunções que só serão percebidas a partir da idade escolar”, completou.

Segundo o pesquisador, com o novo teste, é possível identificar esses casos específicos, que necessitam de exames mais sofisticados, como tomografia e ressonância, para detectar as lesões no cérebro.

Baixo custo

A grande vantagem do teste em relação aos disponíveis no mercado é a capacidade de medir anticorpos muito específicos e, assim, identificar a ocorrência de infecção por zika no soro sanguíneo, mesmo em amostras de pessoas que já tiveram contato com patógenos aparentados, como o vírus da dengue.

“O primeiro surto da doença no Brasil ocorreu em dezembro de 2015 e já em julho de 2016 foram colocados no mercado uns três testes sorológicos. Porém, eles são pouco específicos e podem dar um resultado falso positivo caso o indivíduo já tenha tido dengue ou outra doença cujo patógeno pertence à mesma família dos flavivírus. Isso era muito comum em várias regiões do Brasil em que a dengue é endêmica”, destaca à Agência Fapesp Danielle Bruna Leal de Oliveira, pesquisadora do Laboratório de Virologia Clínica e Molecular do ICB e coordenadora do projeto.

Equipe

Com isso, a equipe de pesquisadores desenvolveu o teste sorológico para detecção da proteína viral à qual os anticorpos do tipo IgG (imunoglobulina G) aderem durante a infecção. Dessa forma, é possível identificar se a pessoa está imunizada, pois as proteínas permanecem no organismo anos após a infecção.

A dificuldade da técnica, contudo, estava no fato de a proteína viral NS1 ser muito parecida em todos os membros da família dos flavivírus, que inclui dengue, zika e febre amarela, entre outros. Para contornar o problema, os pesquisadores da USP usaram uma versão editada da proteína, apenas com o trecho da molécula que é específico para o zika.

“Era muito importante que não houvesse reação cruzada em quem já tivesse sido infectado com pelo menos um dos quatro tipos de dengue. Por isso, fizemos mais de 3 mil testes até validar o produto. Buscamos populações de áreas endêmicas de dengue, como São Paulo, Bahia, Goiás e outros estados”, disse Edison Luiz Durigon.

O teste é baseado na metodologia conhecida como ELISA (ensaio de imunoabsorção enzimática, na sigla em inglês), justamente para ser de baixo custo e de amplo alcance para a população. A plataforma é composta por uma placa com 96 pequenos poços nos quais fica aderida uma proteína viral capaz de ser reconhecida pelo sistema imune humano.

Os poços são preenchidos com soro sanguíneo de até 94 pacientes simultaneamente – outros dois são usados como controle. Nos casos em que houve contato prévio com o zika, os anticorpos IgG ficam aderidos à proteína viral, o que é posteriormente detectado por ensaios colorimétricos (as amostras positivas e negativas adquirem colorações diferentes).

Anticorpos

De acordo com Edison Luiz Durigon, é possível saber se a infecção é mais recente ou antiga pela quantidade de anticorpos. “Embora não tenha sido o objetivo do teste, dá para saber se a pessoa tem mais ou menos anticorpos. Se a quantidade diminuiu bastante, é provável que a infecção tenha ocorrido há um ano, por exemplo”, diz.

“O anticorpo não desaparece totalmente do organismo, mas decai muito com o tempo. O lado bom é que, mesmo que a pessoa tenha um nível baixo de anticorpos, ao entrar em contato novamente com o vírus os níveis de imunidade rapidamente se recuperam. Dá para confiar no sistema imunológico”, finalizou.